NOVEMBRO – “MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA”
Em 20 de Novembro de 1695 Zumbi dos Palmares foi executado e a sua luta, que já não era nova, prosseguiu de diversas maneiras.
Uma das formas mais contundentes no combate a escravidão do racismo é a palavra escrita que ao longo do tempo tem sido muito bem utilizada por homens e mulheres negras.
Este mês trarei diversas dessas expressões para a reflexão de todos nós.
Os miseráveis, os rotos
São as flores dos esgotos.
São espectros implacáveis
Os rotos, os miseráveis.
São prantos negros de furnas
Caladas, mudas, soturnas.
São os grandes visionários
Dos abismos tumultuários.
Mãos inquietas, estendidas
Ao vão deserto das vidas.
Leci Brandão da Silva – (Rio de Janeiro – 12 de setembro) é compositora, interprete e atualmente deputada estadual por São Paulo.
Litania dos Pobres
(Cruz e Souza)
Os miseráveis, os rotos
São as flores dos esgotos.
São espectros implacáveis
Os rotos, os miseráveis.
São prantos negros de furnas
Caladas, mudas, soturnas.
São os grandes visionários
Dos abismos tumultuários.
Mãos inquietas, estendidas
Ao vão deserto das vidas.
(fragmentos tirados do livro Faróis)
João da Cruz e Souza, poeta negro catarinense, nascido em Desterro (atual Florianópolis), em 1861.
TALENTO DE VERDADE
(Leci mBrandão e Alceu Maia)
Mulher deixa de bandeira
mulata nunca foi uma profissão
mucama você é a musa
do canto da minha nação.
Se você quer saber o que é seriedade
é Benedita da Silva
aprender o que é garra
é a mulher do Mandela
ver talento de verdade
se liga na Ruth de Souza
um exemplo de coragem
olha pra mãe da favela ...
Sensualidade ...
guarda pra tua raça
não se deixe enganar
assuma a sua identidade
seja mulher de verdade
seja mais do que se quer
assuma a sua identidade
seja negra de verdade
Leci Brandão da Silva – (Rio de Janeiro – 12 de setembro) é compositora, interprete e atualmente deputada estadual por São Paulo.
CRAVOS VITAIS
(Cuti)
escrevo a palavra
escravo
e cravo sem medo
o termo escravizado
em parte do meu passado
criei com meu sangue meus quilombos
crivei de liberdade o bucho da morte
e cravei para sempre em meu presente
a crença na vida.
O FUTURO
(Cuti)
O futuro está no saco
O futuro está nas trompas
O futuro no entanto já está nas ruas
O futuro das ruas é imediato
Sente fome e sede
frio e falta de afeto e vive no asfalto
O futuro das ruas vende amendoim pede esmolas
toma conta de automóveis mas não toma leite
O futuro das ruas anda descalço e vira malandro
O futuro das ruas apanha dos policiais se revolta é preso é morto
O futuro das ruas se deteriora aos nossos olhos passivos
E cegos no futuro do saco no futuro das trompas.
Cuti (Luiz Silva)
Um dos mais destacados intelectuais negros contemporâneos – poeta, ficcionista, dramaturgo e ensaísta – Luiz Silva, pseudônimo Cuti, nasceu na cidade de Ourinhos, São Paulo, em 31 de outubro de 1951. Formou-se em Letras pela USP em 1980 é mestre e doutor em Letras pela UNICAMP.
Militante da causa negra, foi um dos fundadores e mantenedores da série Cadernos negros, a qual dirigiu entre 1978 e 1993. E, também, um dos fundadores, além de membro atuante, do Quilombhoje Literatura.
Fontes:
PROTESTO
(Carlos de Assumpção)
Mesmo que voltem as costas
Às minhas palavras de fogo
Não pararei de gritar
Não pararei
Não pararei de gritar
Senhores
Eu fui enviado ao mundo
Para protestar
Mentiras ouropéis nada
Nada me fará calar
Senhores
Atrás do muro da noite
Sem que ninguém o perceba
Muitos dos meus ancestrais
Já mortos há muito tempo
Reúnem-se em minha casa
E nos pomos a conversar
Sobre coisas amargas
Sobre grilhões e correntes
Que no passado eram visíveis
Sobre grilhões e correntes
Que no presente são invisíveis
Invisíveis mas existentes
Nos braços no pensamento
Nos passos nos sonhos na vida
De cada um dos que vivem
Juntos comigo enjeitados da Pátria
Senhores
O sangue dos meus avós
Que corre nas minhas veias
São gritos de rebeldia
Um dia talvez alguém perguntará
Comovido ante meu sofrimento
Quem é que está gritando
Quem é que lamenta assim
Quem é
E eu responderei
Sou eu irmão
Irmão tu me desconheces
Sou eu aquele que se tornara
Vítima dos homens
Sou eu aquele que sendo homem
Foi vendido pelos homens
Em leilões em praça pública
Que foi vendido ou trocado
Como instrumento qualquer
Sou eu aquele que plantou
Os canaviais e cafezais
E os regou com suor e sangue
Aquele que sustentou
Sobre os ombros negros e fortes
O progresso do país
O que sofrera mil torturas
O que chorara inutilmente
O que dera tudo o que tinha
E hoje em dia não tem nada
Mas hoje grito não é
Pelo que já se passou
Que se passou é passado
Meu coração já perdoou
Hoje grito meu irmão
É porque depois de tudo
A justiça não chegou
Sou eu quem grita sou eu
O enganado no passado
Preterido no presente
Sou eu quem grita sou eu
Sou eu meu irmão aquele
Que viveu na prisão
Que trabalhou na prisão
Que sofreu na prisão
Para que fosse construído
O alicerce da nação
O alicerce da nação
Tem as pedras dos meus braços
Tem a cal das minhas lágrimas
Por isso a nação é triste
É muito grande mas triste
E entre tanta gente triste
Irmão sou eu o mais triste
A minha história é contada
Com tintas de amargura
Um dia sob ovações e rosas de alegria
Jogaram-me de repente
Da prisão em que me achava
Para uma prisão mais ampla
Foi um cavalo de Tróia
A liberdade que me deram
Havia serpentes futuras
Sob o manto do entusiasmo
Um dia jogaram-me de repente
Como bagaços de cana
Como palhas de café
Como coisa imprestável
Que não servia mais pra nada
Um dia jogaram-me de repente
Nas sarjetas da rua do desamparo
Sob ovações e rosas de alegria
Sempre sonhara com a liberdade
Mas a liberdade que me deram
Foi mais ilusão que liberdade
Irmão sou eu quem grita
Eu tenho fortes razões
Irmão sou eu quem grita
Tenho mais necessidade
De gritar que de respirar
Mas irmão fica sabendo
Piedade não é o que eu quero
Piedade não me interessa
Os fracos pedem piedade
Eu quero coisa melhor
Eu não quero mais viver
No porão da sociedade
Não quero ser marginal
Quero entrar em toda parte
Quero ser bem recebido
Basta de humilhações
Minha alma já está cansada
Eu quero o sol que é de todos
Quero a vida que é de todos
Ou alcanço tudo o que eu quero
Ou gritarei a noite inteira
Como gritam os vulcões
Como gritam os vendavais
Como grita o mar
E nem a morte terá força
Para me fazer calar
CARLOS DE ASSUMPÇÃO nasceu em 23 de maio de 1927 em Tietê/SP. É Advogado militante na Comarca de Franca/SP. Membro da Academia Francana de Letras, tirou o primeiro lugar no II Concurso de Poesia Falada@, de Araraquara/ SP, em 1982, com o poema Protesto. Em 1958, por ocasião do 70º aniversário da Abolição, recebeu o título de Personalidade Negra, conferido pela Associação Cultural do Negro, em São Paulo/SP.
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