quinta-feira, 15 de maio de 2014




30 ANOS DO CONSELHO DA COMUNIDADE NEGRA.
MISSÃO CUMPRIDA!

Neste artigo abordarei uma questão delicada e o farei com a autoridade de quem integrou o triunvirato que foi nomeado pelo governador para criá-lo, partícipe da sua primeira diretoria executiva e seu presidente por oito anos e um estudioso sobre o assunto.

O Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo completou neste 13 de maio, trinta anos da sua instalação. Criado na gestão Franco Montoro, nasceu no período em que se esboçava a redemocratização do Brasil e não foi um mero espectador foi nacionalmente ator importante na inserção da questão racial negra como de fundamental importância na volta da plenitude democrática.

É de se destacar a sua participação na Comissão Provisória de Estudos Constitucionais que foi a base da atual Constituição Brasileira, reconhecida como uma das melhores do Mundo e que traz artigos específicos sobre o enfrentamento do racismo e da necessidade do Estado Brasileiro garantir as propriedades territoriais quilombolas e reconhecer a importância da população negra na cultura e a sua contribuição na formação do Brasil.

Integraram o Conselho da Comunidade Negra de São Paulo pessoas de destaque político, intelectual, social, sindicalistas e podemos citar alguns, como Helio Santos – seu primeiro presidente – Ivair Augusto, Benedito Cintra, Coronel Vitória, a Delegada Maria Clementina, Prof. Eduardo de Oliveira, Sueli Carneiro, Maria Aparecida de Laia, o reitor José Vicente, Juarez Xavier, Ubiraci Dantas (Bira), Oscarlino Marçal, Oswaldo Ribeiro, o então jogador Wladimir, o rapper Xis. O risco de se fazer uma lista como essa é de omitir personalidades importantes, porém, os citados dão, exemplificativamente, a dimensão política do que já foi este órgão colegiado.

O Conselho também foi o órgão formador de diversas lideranças e acadêmicos que lá trabalharam, os professores doutores Hédio Silva, os irmãos Rosângela e Antonio Carlos Billy Malachias, Cida Bento, criou espaços para artistas como Maurício Pestana, A 4 Vozes, Quinteto em Branco e Preto.

Desde a sua formação é necessário destacar que além do Estado de São Paulo com sua atuação, o Conselho da Comunidade Negra atuou e fez avançar políticas públicas que influenciaram em todos os demais estados da federação e da própria União, na educação, saúde, segurança pública, demarcação, reconhecimento e titulação de áreas quilombolas, cultura, economia.

A criação de órgãos congêneres, de ONGs especializadas, de cursos acadêmicos, da articulação de empreendedores tudo teve como fonte de inspiração o Conselho. A organização de advogados (as) negros que hoje se espalham pelas seções da Ordem dos Advogados de todo o Brasil começou no Conselho da Comunidade Negra.

Todas as políticas públicas sobre a questão racial adotadas no País até o início dos anos 2000 tiveram a participação direta ou a influência do Conselho da Comunidade Negra.

Os avanços propiciados pelo Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, fundamentais inclusive para a democracia brasileira que aos poucos vai se firmando, levaram, todavia, ao seu esgotamento.

O Conselho da Comunidade Negra, não só ele é bom ressaltar, assim como todos os demais outros Conselhos de Cidadania como são chamados os conselhos da Condição Feminina – também com 30 anos – do Idoso, da Criança e do Adolescente, da Pessoa Deficiente perderam a sua finalidade e na forma como existem é impossível serem recriados. Devem ser simplesmente extintos.

Não me alongarei muito nas justificativas para a minha proposta porque tenho certeza que as contestações virão e teremos como aprofundar o debate que certamente se afigurará rico. Apenas para mostrar na prática o que digo, pergunto: qual foi a proposta de política pública apresentada na celebração das suas Bodas de Pérolas?

Qual o fato relevante apresentado, a não ser, é lógico a justa e bonita homenagem ao nosso querido Oswaldo Faustino?

Nada!

Não é de se aborrecer, isto aconteceria porque uma das conquistas da qual o Conselho da Comunidade Negra de São Paulo teve ao longo da sua história papel relevante foi a das liberdades democráticas que possibilitam a qualquer pessoa individualmente, associativamente ou comunitariamente buscar os seus objetivos e exigir os seus direitos.

O surgimento de órgãos executivos como a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial do Município de São Paulo e até mesmo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial com nível hierárquico de Ministério mostram a caducidade do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo que já cumpriu a sua missão.

3 comentários:

  1. Querido Arruda, delicadíssima a questão proposta neste artigo. Como meu nome é citado nele, o que muito me honra, começo pelo final. O Prêmio Luiz Gama, além de mim, contemplou mais 13 outras personalidades. Segundo a direção do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, esse prêmio foi criado como "reconhecimento aos que lutam pela Promoção da Igualdade Racial no Estado de São Paulo".
    Podem-se questionar a escolha dos nomes a serem homenageados, os critérios, a relevância e outros fatores. Porém, não a importância do reconhecimento e, muito menos, a relembrança de Luiz Gama, figura de ponta na história abolicionista, em nosso País, particularmente na cidade de São Paulo, há muito tempo, relegada à condição de ostracismo. Pouquíssimas iniciativas têm-lhe deitado luz, nos últimos anos, diante de seu gigantismo. Vejo na iniciativa uma interessante oportunidade de difusão sobre suas lutas, através dos campos jurídico, jornalístico, poético, maçônico, seu comportamento ilibado, muitas vezes irônico, mas sempre incansável. Fui beneficiado pelos holofotes porque, como homem de mídia, assim que me informaram sobre a homenagem, desconhecendo a lista dos demais escolhidos, me utilizei da ferramenta das redes sociais, para comunicar o ocorrido. Estranhei que ninguém mais o fizesse.

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  2. Como me comentário é longo, continuo:
    Quanto à missão do Conselho, que seu artigo considera “cumprida”. Mais uma vez sou tomado pelo estranhamento. Algo aconteceu, durante esses 30 anos, sobre o que não fui informado. Finalmente a abolição da escravatura, que denunciamos ter sido inconclusa, atingiu sua plenitude? Nosso povo conquistou, definitivamente, a igualdade de oportunidades? Conseguimos extinguir o racismo, os preconceitos, a discriminação, o respeito à diversidade? A violência contra os nossos virou coisa do passado? Os autores de atos racistas são punidos exemplarmente com o rigor da Lei? Nossas crianças, nas escolas, têm acesso total ao conhecimento de nossa história, de nossa cultura, das grandes civilizações africanas? Elas são educadas para viverem numa sociedade com equidade? O mercado de trabalho tem todas as suas portas abertas para receber os nossos? E as universidades? A religiosidade de matriz africana já é respeitada pelas demais, sem a chincalhes e agressões? Não temos mais necessidade de nenhuma política pública que nos garanta o cumprimento dos nossos direitos que a própria Constituição Brasileira já deveria nos garantir? Estas são apenas algumas das indagações a respeito do que, inocentemente, considero que estar no bojo da missão do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra que, nos últimos anos, irradiou-se por todo o Estado de São Paulo. Você e eu estivemos em alguns de seus eventos e eu, pelo menos, retornei esperançoso por mudanças.
    Meu irmão, desconheço os embates políticos que geraram este teu artigo muito bem escrito, por sinal. Sou testemunha de seu espírito guerreiro insubmisso, quando na mesa de comemoração do 25º aniversário de fundação do Conselho – há cinco anos – questionou o governador do Estado que nos acusava de “racializar” o debate e, ao contrário dos demais integrantes da mesa, encostou na parede o Secretário de Estado que afirmou serem “necessários mais 500 anos” para conquistarmos o que a própria abolição da escravatura deveria ter-nos garantido. Também conheço sua luta em favor do fim do extermínio de nossa juventude, tentando, através de cursos, transformar a ideologia secular dominante na Polícia Militar.
    Porém, a missão do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra está a alguns milhares de quilômetros distante do que podemos considerar sua meta final. Talvez se você fosse mais direto, colocando às claras o papel de submissão desse organismo aos interesses de um Estado que, nestes 30 anos, não demonstrou a menor sensibilidade para mudar a maneira de reconhecer e entender o papel social do nosso povo, eu concordaria plenamente. Se cobrasse a necessidade de autonomia e a relevância de que os conselheiros e as conselheiras se entendessem como lideranças reais, e não simbólicas, e fossem nossos e nossas representantes junto ao Estado e não o inverso, também teria o meu aplauso. Ainda mais que, pela ausência de remuneração, o ressarcimento desse empenho, dedicação e desgastes de energia só valeria a pena, caso outros ganhos políticos adviessem dessas nomeações.
    Por isso, afirmar que a missão está cumprida ou se trata de um equívoco ou de uma estratégia para atingir um objetivo que desconheço. Volta e meia ouço, através da mídia, a necessidade de se por fim aos organismos estratégicos criados na busca da promoção da igualdade racial: Conselho, Cone, Fundação Palmares, SEPPIR, SMPIR e o que mais houver. Os interesses da mídia para veicular essas notícias conheço bem. Os nossos não. Espero ter esclarecido minha opinião e, em momento nenhum, ter desrespeitado a sua, pois o tenho na conta dos mais valorosos militantes da história do Movimento Negro, em nosso País. Abraços, Oswaldo Faustino.

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  3. Querido Oswaldo. Começarei pelo final devolvendo em dobro o afetuoso abraço e manifestando meu grande carinho por você. Obrigado pelos comentários e críticas ao meu artigo o que muito me honra. Além das suas críticas aguardarei outra para fazer um novo artigo expondo melhor a minha opinião, contudo, saiba que a resposta para todas as questões que você colocou acima é NÃO, portanto, temos muito ainda por fazer para combater o racismo.
    Entendo que o Conselho como órgão encerrou a sua missão e bem! Com novos instrumentos democráticos e com a existência de órgãos executivos muito mais dinâmicos - ainda que em tese e na prática sejam mais frágeis quando comparados com seus congêneres governamentais - os Conselhos de Cidadania - Comunidade Negra, Idoso, Condição Feminina, Indígena, Criança e Adolescente, perderam definitivamente a sua função e hoje não servem mais para avanços dos seus respectivos segmentos. São apêndices inertes que tiram forças de algumas de nossas ações. Vejo muita gente de qualidade dentro deles, especialmente do interior, que gastam suas energias num órgão que não tem mais a capacidade de mobilização política ou popular. Pessoas que deveriam utilizar sua liderança e energia em órgãos governamentais ou não governamentais mais ágeis, rápidos e eficazes.

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