Ora senhor governador, faça-me um favor!
A
publicação da pesquisa da UFSCAR sobre o
percentual de negros mortos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo colocou em destaque, mais uma vez, essa
sensível e relevante demanda – ao menos para nós da comunidade negra – quanto à
vulnerabilidade de homens negros, de maneira especial da nossa juventude e a falta
de ação política para coibir essa violação de direitos humanos em São Paulo.
A matéria
publicada sobre a pesquisa me trouxe duas questões importantes que coloco neste
meu espaço de reflexão e debate, a saber:
(1) a confirmação,
reiterada, de que a violência da Polícia Militar de São Paulo atinge mais os
jovens negros em percentual incompatível com a nossa proporção na população e
que levou os pesquisadores a concluir, também sem nenhuma novidade e com
indesmentível caráter científico, que se trata de racismo institucional;
(2) a matéria
trouxe também frase atribuída ao Governador do Estado que alega “desconhecer
qualquer tipo de atitude discriminatória nas ações efetuadas pela polícia
paulista.” que se for verdadeira
é para mim inaceitável.
Há trinta anos
quando o Governador Franco Montoro – referência de companheirismo e democrata
convicto – criou o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade
Negra, salvo engano antes mesmo da posse, pela primeira vez, juntamente com os
companheiros Helio Santos e Ivair dos Santos, estive no CAES da Polícia Militar
onde fizemos uma palestra, seguido de um debate com jovens oficiais da
corporação, abordando o racismo da Polícia Militar.
Muitos desses
oficiais chegaram a importantes postos de comando e dessa turma fazia parte a
ainda tenente Vitória Brasília (negra), que chegou ao posto máximo da carreira
como Coronel e comandou durante longo tempo o policiamento escolar de São
Paulo.
Desde então, sem
interrupção, eu e muitos outros militantes do Movimento Negro – e nessa via
aberta por nós adentraram também outros segmentos étnicos e ativistas dos
Direitos Humanos – não só com o tema do racismo em relação ao tratamento
dispensado a negros e negras pela PM, mas, também de outras discriminações
correlatas, assuntos que passaram a integrar a grade de ações curriculares na
formação de profissionais de segurança pública da Polícia Militar de São Paulo.
Integrante do
SOS-RACISMO do Geledés Instituto da Mulher Negra igualmente participamos de
diversos encontros, debates, algumas vezes tensos e duros com comandos da
milícia paulista, de forma que não houve desde 1984, solução de continuidade
nessa ação política e educacional.
A questão da
população negra e do racismo na formação de oficiais capitães da Polícia
Militar, no CAO – Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais foi por mim tratada durante
alguns anos regularmente como professor de Direito Constitucional, com
orientação da Coordenação do Curso de fazer abordagem direta sobre o assunto,
sem qualquer ressalva ou censura. Nesse período eu exercia a Presidência do
Conselho Estadual da Comunidade Negra.
Sempre atuando
junto aos Comandantes da Corporação e nunca deixando de apresentar e questionar
ações de violência colaborei no convencimento da necessidade, na criação e
instalação de uma cadeira que tratasse especificamente do racismo e das novas
formas de enfrentamento da discriminação e incluiu-se na formação de todos os
membros da Polícia Militar Paulista – inclusive nos cursos de reciclagem - a
matéria Igualdade Racial e Ações
Afirmativas.
Isso comprova
não só a admissão por parte da corporação de que o problema existe como
demonstra que, ao menos naquele momento, os oficiais que estavam à frente da PM
eram suficientemente abertos para encarar essa realidade.
Ao longo desse
tempo, SEMPRE e em diversos formatos e momentos, levamos aos detentores do
Poder Público Paulista um quadro sobre a gravidade da situação que é
persistente. Diversas organizações dos diferentes movimentos sociais também
sempre denunciaram a violência policial em face da população negra,
especialmente os jovens.
A pesquisa
científica da UFSCar dá contornos precisos de que o problema persiste.
Outro trabalho
científico relevante desenvolvido na UFSCar sobre o racismo institucional da
Polícia Militar de São Paulo, foi o apresentado pelo Tenente Coronel Airton Edno
Ribeiro, um dos mais brilhantes oficiais da corporação e ex Comandante do CAES,
portanto, um alto oficial integrante da PM Paulista e que também pode ser
acessado através do link:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=91377O gestor público, aquele que atua na área de políticas públicas, deve saber que a única forma de mitigar uma dificuldade é circunscrevê-la, dimensioná-la e o trabalho apresentado pelo Gevac (Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos) traz essa qualidade para o administrador público que é comprometido com a sua população.
Cabe aqui uma lembrança
de Mário Covas, outro grande governador paulista e democrata por convicção, que
ensinou que diante da adversidade só há três atitudes possíveis: Enfrentar! Combater! e Vencer!
Nenhum
administrador público em São Paulo pode alegar o desconhecimento dessa grave
realidade que ceifa a vida de homens negros, notadamente jovens, com tantos
trabalhos e informações que temos desenvolvido e apresentado aos setores
competentes do governo estadual ao longo de pelo menos três décadas.
Ora senhor
governador faça-me um favor!
A falta de
companheirismo na política vá lá, mas a falta de respeito com o nosso trabalho
e a nossa história não posso aceitar.