sábado, 5 de abril de 2014






Ora senhor governador, faça-me um favor!


A publicação da pesquisa da UFSCAR sobre o percentual de  negros mortos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo colocou em destaque, mais uma vez, essa sensível e relevante demanda – ao menos para nós da comunidade negra – quanto à vulnerabilidade de homens negros, de maneira especial da nossa juventude e a falta de ação política para coibir essa violação de direitos humanos em São Paulo.

A matéria publicada sobre a pesquisa me trouxe duas questões importantes que coloco neste meu espaço de reflexão e debate, a saber:
(1) a confirmação, reiterada, de que a violência da Polícia Militar de São Paulo atinge mais os jovens negros em percentual incompatível com a nossa proporção na população e que levou os pesquisadores a concluir, também sem nenhuma novidade e com indesmentível caráter científico, que se trata de racismo institucional;
(2) a matéria trouxe também frase atribuída ao Governador do Estado que alega “desconhecer qualquer tipo de atitude discriminatória nas ações efetuadas pela polícia paulista.” que se for verdadeira é para mim inaceitável.

Há trinta anos quando o Governador Franco Montoro – referência de companheirismo e democrata convicto – criou o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, salvo engano antes mesmo da posse, pela primeira vez, juntamente com os companheiros Helio Santos e Ivair dos Santos, estive no CAES da Polícia Militar onde fizemos uma palestra, seguido de um debate com jovens oficiais da corporação, abordando o racismo da Polícia Militar.

Muitos desses oficiais chegaram a importantes postos de comando e dessa turma fazia parte a ainda tenente Vitória Brasília (negra), que chegou ao posto máximo da carreira como Coronel e comandou durante longo tempo o policiamento escolar de São Paulo.

Desde então, sem interrupção, eu e muitos outros militantes do Movimento Negro – e nessa via aberta por nós adentraram também outros segmentos étnicos e ativistas dos Direitos Humanos – não só com o tema do racismo em relação ao tratamento dispensado a negros e negras pela PM, mas, também de outras discriminações correlatas, assuntos que passaram a integrar a grade de ações curriculares na formação de profissionais de segurança pública da Polícia Militar de São Paulo.

Integrante do SOS-RACISMO do Geledés Instituto da Mulher Negra igualmente participamos de diversos encontros, debates, algumas vezes tensos e duros com comandos da milícia paulista, de forma que não houve desde 1984, solução de continuidade nessa ação política e educacional.

A questão da população negra e do racismo na formação de oficiais capitães da Polícia Militar, no CAO – Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais foi por mim tratada durante alguns anos regularmente como professor de Direito Constitucional, com orientação da Coordenação do Curso de fazer abordagem direta sobre o assunto, sem qualquer ressalva ou censura. Nesse período eu exercia a Presidência do Conselho Estadual da Comunidade Negra.

Sempre atuando junto aos Comandantes da Corporação e nunca deixando de apresentar e questionar ações de violência colaborei no convencimento da necessidade, na criação e instalação de uma cadeira que tratasse especificamente do racismo e das novas formas de enfrentamento da discriminação e incluiu-se na formação de todos os membros da Polícia Militar Paulista – inclusive nos cursos de reciclagem - a matéria Igualdade Racial e Ações Afirmativas.

Isso comprova não só a admissão por parte da corporação de que o problema existe como demonstra que, ao menos naquele momento, os oficiais que estavam à frente da PM eram suficientemente abertos para encarar essa realidade.

Ao longo desse tempo, SEMPRE e em diversos formatos e momentos, levamos aos detentores do Poder Público Paulista um quadro sobre a gravidade da situação que é persistente. Diversas organizações dos diferentes movimentos sociais também sempre denunciaram a violência policial em face da população negra, especialmente os jovens. 

A pesquisa científica da UFSCar dá contornos precisos de que o problema persiste.



Outro trabalho científico relevante desenvolvido na UFSCar sobre o racismo institucional da Polícia Militar de São Paulo, foi o apresentado pelo Tenente Coronel Airton Edno Ribeiro, um dos mais brilhantes oficiais da corporação e ex Comandante do CAES, portanto, um alto oficial integrante da PM Paulista e que também pode ser acessado através do link:
 http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=91377

O gestor público, aquele que atua na área de políticas públicas, deve saber que a única forma de mitigar uma dificuldade é circunscrevê-la, dimensioná-la e o trabalho apresentado pelo Gevac (Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos) traz essa qualidade para o administrador público que é comprometido com a sua população.

Cabe aqui uma lembrança de Mário Covas, outro grande governador paulista e democrata por convicção, que ensinou que diante da adversidade só há três atitudes possíveis: Enfrentar! Combater! e Vencer!

Nenhum administrador público em São Paulo pode alegar o desconhecimento dessa grave realidade que ceifa a vida de homens negros, notadamente jovens, com tantos trabalhos e informações que temos desenvolvido e apresentado aos setores competentes do governo estadual ao longo de pelo menos três décadas.

Ora senhor governador faça-me um favor!

A falta de companheirismo na política vá lá, mas a falta de respeito com o nosso trabalho e a nossa história não posso aceitar.